segunda-feira, 7 de outubro de 2024

GÊNERO E SEXUALIDADE NO ENSINO DE BIOLOGIA: OS DESAFIOS PARA SUPERAR O MODELO CONSERVADOR

 Qual professor ou professora de Ciências e Biologia já não viveu aquele momento, durante o ano letivo, em que teve que trabalhar conteúdos que envolvem sexualidade? Reprodução, anatomia e fisiologia do sistema reprodutor humano, métodos contraceptivos e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) fazem parte do currículo da nossa disciplina, mas o que poderia ser encarado como apenas mais um componente curricular a ser lecionado, por vezes pode se apresentar como um grande desafio no exercício da docência.  

Sabemos que a adolescência caracteriza aquele período de mudanças. O corpo muda, a mente muda, os interesses mudam. O autoconhecimento e a manifestação dos desejos também costumam se fazer presentes nessa fase da vida. A minha primeira experiência em trabalhar tais conteúdos em sala de aula aconteceu no início da minha carreira em uma turma da 1ª série do Ensino Médio de uma escola particular. Lecionar tais assuntos para meninas e meninos com idades entre 15 e 16 anos foi algo desafiador e ao mesmo tempo gratificante.



Todo esse contexto de mudança biopsicossocial se fez presente nas referidas aulas mencionadas no parágrafo anterior. Ao lecionar tais conteúdos me deparei com um cenário atípico na rotina de uma sala de aula: estudantes concentrados, atentos às informações, participativos, fazendo perguntas. O sonho de qualquer docente ali se materializando. Cheguei a pensar, “eu poderia só dar aula desse assunto”.

No entanto, as perguntas elaboradas pelos jovens iam para além do conteúdo. As dúvidas, os questionamentos e as colocações feitas nessas aulas acenavam para meninos e meninas em busca de orientação para suas vivências presentes e/ou futuras. Surgiam nessas aulas perguntas relacionadas ao prazer, aos cuidados com o corpo, perguntas sobre orientação sexual e sobre as identidades de gênero. Em suma, as dúvidas e os interesses dos jovens sobre esse assunto estão para além da Biologia.  

Nesse contexto, nos deparemos com o desafio de superar uma barreira historicamente construída. As primeiras tentativas de implementar as questões de gênero e sexualidade na educação brasileira se deram através da chamada Educação Sexual entre as décadas de 1920 e 1930. Na época os chamados “desvios sexuais” deixaram de ser considerados crime e passaram a ser considerados como doenças. O discurso dos defensores da implementação da Educação Sexual se baseava em pressupostos higienistas e eugênicos advogando que cabia à escola educar os jovens promovendo comportamentos sexuais “normais”. Sobre isso, é válido lembrar que até o ano de 1990 a homossexualidade ainda constava na lista de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS). Já a transgeneridade só foi retirada em 2018.  

Após essa onda, o debate sobre a Educação Sexual no Brasil só voltou à tona no início da década de 1960, porém por viés bem diferente. A chamada Segunda Onda da Educação Sexual no Brasil teve forte influência dos movimentos contracultura da época, da luta do Movimento Feminista, dos movimentos pela liberdade sexual, das lutas antirracistas e, na América Latina, das lutas contra regimes ditatoriais. No entanto, após o Golpe de 1964, a Ditadura Militar inibiu qualquer iniciativa de implementar na educação assuntos e questões relacionadas a gênero ou sexualidade. Sendo assim, ao longo da década de 1970 até meados de 1980, não há registros de atividades de Educação Sexual em escolas públicas e privadas no Brasil. O debate sobre o tema ficou limitado ao campo intelectual. 

Somente no final de década de 1980 voltou-se a se discutir sobre implementar a Educação Sexual nas escolas brasileiras. E a motivação novamente veio do campo da saúde, porém, o problema agora era real: a chegada da AIDS no Brasil. Dessa forma, ao longo dos anos 1990 o discurso da Educação Sexual passou a ser educação como forma de prevenção. 

Somente em 1997 o Brasil institucionalizou a Educação Sexual na legislação educacional. Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o fascículo do Tema Transversal “Orientação Sexual”, a recomendação foi que assuntos relacionados a gênero e sexualidade fossem trabalhados na Educação Básica perpassando todas as áreas do saber. O documento em questão é dividido em três eixos norteadores: “Corpo: matriz da sexualidade”; “Relações de gênero” e “Prevenção a Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS”. Na época da produção do documento as hoje chamadas Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) ainda eram chamadas de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). 

Mesmo com essas recomendações as escolas parecem não ter superado o modelo biomédico da Educação Sexual. Ainda hoje é muito presente na cultura escolar que assuntos relacionados a sexualidade devem ficar a cargo de professores e professoras de Ciências e Biologia, sempre por esse viés da prevenção, contracepção e reprodução. Abordagens que em geral reforçam padrões de cis-heteronormatividade e excluem a diversidade de corpos e identidades que não se enquadram nesse padrão.      

Ao longo da década de 2000 o Governo brasileiro buscou ações de superação desses padrões mencionados. Parcerias do Ministério da Educação com Organizações Não Governamentais e grupos de apoio a causa de pessoas LGBTQIAPN+ levaram a iniciativas como o Escola Sem Homofobia. Tais inciativas buscavam formas de auxiliar professores da Educação Básica a trabalhar a diversidade e tratar das questões de gênero e sexualidade por um olhar mais abrangente, para além do viés biologizante ou biomédico. As ideias consistiam em implementação de materiais paradidáticos, diretrizes nos documentos norteadores da educação, atividades de formação continuada, entre outras. 

Porém, quando tais ações ganharam visibilidade a contrapartida dos grupos conservadores foi de enorme repercussão. Se utilizando de muito sensacionalismo e desinformação, os conservadores atacaram veemente as iniciativas em desenvolvimento, criando falácias que foram assimiladas por parcela significativa da sociedade, como “ideologia de gênero” e distribuição de “kit gay” nas escolas. Todo esse cenário fez o Governo e as organizações recuarem e tais iniciativas nunca chegaram as escolas. 

Foi esse cenário que me levou a pesquisar em minha tese sobre os impactos da ascensão conservadora na produção de teses e dissertações sobre gênero e sexualidade no Ensino de Biologia na última década no Brasil. Os resultados da pesquisa, recém defendida no Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ, demonstram que apesar das tentativas de censura nas escolas, pesquisadoras e pesquisadores estão empreendendo esforços para superar os padrões tradicionais. Boa parte das produções analisadas investigaram novas metodologias de ensino, formação de professores (inicial e continuada) e livros didáticos, muitos em busca de identificar o contexto atual e apontar caminhos possíveis para um Ensino de Biologia mais acolhedor com a diversidade.

Finalizo esse texto reiterando o seu subtítulo. Superar o modelo conservador segue sendo um desafio e o caminho para tal superação pode estar na maior integração entre o fazer escolar e a pesquisa. Como disse Carlos Chagas Filho “É porque se pesquisa, que se ensina” e é através da pesquisa que sustentamos argumentos em prol do que defendemos. A luta é árdua, mas enquanto a produção do conhecimento for livre, haverá esperança.

Autor : Gabriel Mendes de Almeida - mendes88@gmail.com
Licenciado em Ciências biológicas, Mestre em Ciência, Tecnologia e Educação pelo CEFET/RJ e Doutor em Educação em Ciências e Saúde pela UFRJ.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

EXPLORANDO A CIÊNCIA: MUSEUS VIRTUAIS PARA VISITAR SEM SAIR DE CASA

 

Todo ano o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) promove a Primavera dos Museus, uma iniciativa que reúne diferentes instituições museológicas, durante uma semana, em prol do desenvolvimento de atividades direcionadas ao grande público. Este ano, o IBRAM já divulgou o tema da 18ª Primavera dos Museus que acontecerá entre os dias 23 e 29 de setembro de 2024, o tema da temporada de eventos será “Museus, acessibilidade e inclusão”.

O tema lança luz sobre o papel dos museus na promoção do acesso a todos os seus públicos, independentemente de suas condições físicas, sensoriais ou cognitivas. E ao pensarmos nos desafios dos museus no enfrentamento de barreiras de diversos tipos, destacamos os museus virtuais de Ciências capazes de promover a acessibilidade a diversos públicos. Vamos explorar como eles abordam essas questões:

1.      Acessibilidade Digital: É a eliminação de barreiras na Web. O conceito pressupõe que os sites e portais sejam projetados de modo que todas as pessoas possam perceber, entender, navegar e interagir de maneira efetiva com as páginas.

2.      Inclusão e Diversidade: Os museus virtuais podem ser acessados por meio de computadores, tablets e smartphones, tornando-os disponíveis a um público amplo e diverso.

3.      Tecnologia e Facilitação de Acesso: Recursos e adaptações para pessoas com deficiências (visual e auditiva) através de audiodescrição, legendas, materiais acessíveis com bom contraste de cores, e recursos em libras.

Fonte: Página inicial do MZUSP

Os Museus Virtuais de Ciências são ambientes interativos e imersivos que preservam artefatos científicos e culturais, e preservam memórias para as gerações presentes e futuras, e através da cibercultura, onde qualquer indivíduo pode emitir e receber informações em tempo real, colaborando globalmente com outros usuários.

Embora nada substitua uma visita presencial, essas plataformas virtuais nos permitem explorar o conhecimento científico de maneira segura e envolvente, estimulando o aprendizado de forma lúdica e interativa. Neste caso, a internet desempenha um papel crucial na divulgação científica, estabelecendo conexões entre ensino formal, informal e não-formal.

Os museus virtuais tiveram sua importância ampliada recentemente, por se tornarem uma resposta criativa e inovadora à necessidade de acesso à cultura científica e ao conhecimento, especialmente durante a pandemia da COVID-19.  Então que tal conhecer, de modo virtual, um novo museu de Ciências ou revisitar aquela instituição que você já está com saudades?

Você pode reunir a família para uma visita virtual ou propor aos seus alunos uma atividade explorando o que é apresentado pelos museus. Vamos começar?

Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP)

A exposição de longa duração do Museu de Zoologia da USP “Biodiversidade – Conhecer para Preservar” pode ser visitada de maneira online pelo Tour Virtual 360, considerada uma nova experiência de visitação que permite que o visitante descubra a exposição em detalhes e, ainda, conheça o acervo do museu, que é guardião de uma das maiores coleções da fauna brasileira. A exposição tem como principal objetivo discutir os padrões e processos da biodiversidade brasileira e contribuir para a compreensão da importância da preservação, suas narrativas articulam temas centrais da pesquisa desenvolvida na instituição (Evolução e Biodiversidade, Patrimônio e Sustentabilidade), em um contexto de grande relevância social e econômica na atualidade.

Página principal do Museu de Zoologia

Tour virtual

Museu do Cerrado da Universidade de Brasília

O museu virtual é uma iniciativa da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e foi inaugurado em 2017. Com o objetivo de divulgar os conhecimentos científicos e os saberes populares acerca da sociobiodiversidade do Sistema Biogeográfico do Cerrado. O Museu é um espaço aberto para divulgação de informações/ações/projetos para a conservação, preservação e recuperação do Cerrado e a valorização do patrimônio ecológico, arqueológico e cultural das tradições culturais dos Povos do Cerrado através de conteúdos audiovisuais, artigos, teses, livros, documentos, manifestações artísticas, materiais pedagógicos, produzidos sobre o Cerrado.

Página principal do Museu do Cerrado

Tour virtual

Museu Nacional (Rio de Janeiro – RJ)

O Museu Nacional é uma instituição autônoma, integrante do Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vinculada ao Ministério da Educação que completou 200 anos em 2018. Marco na pesquisa científica, na educação museal brasileira e detentor do título de primeiro museu do país, o Museu Nacional que formou e forma inúmeros pesquisadores e tem incrível importância cultural, afetiva e de conhecimento das mais variadas tipologias, desde o terrível incêndio em setembro de 2018, tem enfrentado o grande desafio de se reestruturar e muitos esforços têm sido feitos para esse propósito.

É possível recordar como eram as suas exposições: a partir de imagens capturadas em 2016, foi criada uma visita em 360º que nos permite ter acesso a parte do acervo do museu que contava com mais de vinte milhões de itens antes do incêndio. Dentre as ações de reconstrução, a comunidade científica e educativa do Museu Nacional tem desenvolvido lindos projetos e materiais que preservem a história e a memória desta instituição que é um ícone do Brasil.

Página principal do Museu Nacional

Tour virtual do museu

 

E aí, vai um tour virtual pela exposição de museu de Ciências hoje? Fica a dica!

 

Autora:

Mariana Vallis – Doutoranda do PPCTE e Pesquisadora LABDEC.


GÊNERO E SEXUALIDADE NO ENSINO DE BIOLOGIA: OS DESAFIOS PARA SUPERAR O MODELO CONSERVADOR

  Qual professor ou professora de Ciências e Biologia já não viveu aquele momento, durante o ano letivo, em que teve que trabalhar conteúdos...