No Brasil, 8 de julho é o dia nacional da ciência e do pesquisador. Qual o perfil de quem faz ciência em nosso país? E que imagem fazemos destes/as profissionais?
Ao final de junho, um vídeo publicado no Instagram do Instituto Alana e produzido pela agência MullenLowe de Londres viralizou nas redes sociais. Nele, uma professora da educação básica na Inglaterra pede a seus alunos e alunas que desenhem três profissionais: bombeiro, cirurgião, piloto de caça.
E atenção para o detalhe: em inglês, nenhuma das três palavras (fire fighter, surgeon, pilot) tem marca de feminino ou de masculino, valem para os dois. Enquanto as crianças desenhavam, a professora perguntava: “você pensou no nome dessa pessoa?”. Em 61 dos 65 desenhos, as crianças retrataram homens desempenhando estas profissões e deram, a estes profissionais, nomes masculinos.
Print da tela do vídeo Inspiring the future – redraw the balance (agência MullenLowe, 2016).
Poderíamos pensar: a professora deve ter ficado surpresa quando viu a maioria dos alunos desenhando homens no desempenho das funções que ela escolheu. Mas ouso afirmar que a surpresa maior foi a dos alunos, quando três profissionais – mulheres – entraram em sala de aula para se apresentar e para contar um pouco de suas vidas. As crianças chegaram a pensar, em um primeiro momento, que as mulheres apenas vestindo os uniformes relativos às profissões que representavam: “elas estão fantasiadas”, disse uma das meninas.
O que isso quer dizer? Mesmo em países como a Inglaterra, onde os movimentos sociais em defesa da equidade feminina começaram há mais tempo do que no Brasil, os estereótipos relacionados a profissões ainda resistem. E por aqui? Essa é a nossa grande questão no dia nacional da ciência e do pesquisador: como nós retrataríamos o/a pesquisador/a brasileiro/a?
Diferenças na área de trabalho
A leitura do relatório Em direção à equidade de gênero na pesquisa no Brasil, realizado pela empresa Elsevier e pela agência Bori, pode nos dar algumas pistas. Publicado em março deste ano, o documento abrange o período 2002-2022 e traz boas notícias: o Brasil está em terceiro lugar quando se fala em mulheres cientistas autoras de textos, com 49% de participação. O primeiro e o segundo lugares ficaram com Portugal e Argentina (52%). A pesquisa abrangeu 18 países e a União Europeia.
Porém, os autores do relatório alertam para uma “considerável disparidade entre as diferentes áreas de pesquisa”. Se a participação feminina supera os 60% nas áreas de Enfermagem (80%), Farmacologia, Toxicologia e Farmacêutica (62%), Imunologia, Microbiologia (62%) e Psicologia (61%), em Matemática (19%), Ciências da Computação (21%), Engenharia (24%), Física e Astronomia (27%) não chega a 30%. E mais: os pesquisadores observaram um decréscimo da atuação das mulheres ao longo da carreira, no que se refere a publicações. De acordo com os dados coletados no período, a partir dos 21 anos ou mais de carreira, o número de artigos escritos com a participação feminina diminui, alcançando de 21% a 36% no período analisado.
Visibilidade e minorias
Uma das limitações da metodologia deste estudo, que utilizou a base Scopus, foi a questão de gênero. Segundo a Elsevier, que desenvolveu ferramentas para identificar os autores, a metodologia permite obter informações de forma binária. Por esta razão, ainda não foi possível traçar um panorama mais detalhado nesta pesquisa.
Algumas iniciativas têm sido desenvolvidas para trazer visibilidade à pesquisa realizada por integrantes da comunidade LGBTQIAPN+. Uma delas é a Pride in Microbiology (PiM) Network, cofundada pelo professor e pesquisador Bruno Francesco de Oliveira, da Universidade Federal Fluminense. A PiM é um espaço de troca de experiências acadêmicas e de vida, facilitando possibilidades de parcerias profissionais.
A questão de cor não foi abordada no estudo, mas é necessário trazê-la aqui, quando a ideia é pensar nos/as pesquisadores/as brasileiros/as. Instituições como a Universidade Federal do Paraná desenvolvem ações para aumentar a visibilidade das mulheres negras na ciência, bem como materiais paradidáticos com o mesmo objetivo. O Instituto Geledés também tem materiais disponíveis a respeito, com biografias de mulheres negras e seus feitos na ciência, no Brasil e no mundo.
Igualmente, a participação de indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais não pôde ser visibilizada a partir desta pesquisa, até mesmo por conta do objetivo do trabalho. Porém, todas estas questões podem se transformar em perguntas de pesquisa para cada um/a de nós. Precisamos saber, em mais detalhes, quem são as pessoas que trabalham com ciência no Brasil.
Com base em tudo o que vimos até aqui, que retrato poderíamos traçar do/a pesquisador/a brasileiro no contexto do dia nacional da ciência e do pesquisador? Como as crianças inglesas, estamos começando a desenhar nossos profissionais e ainda temos muito a aprender. Que, como elas, estejamos abertos a novas informações e enfoques e possamos, ao mesmo tempo, caminhar na direção da equidade.
Para refletir: E se você fizesse, com seus alunos, a atividade que consta do vídeo? Que resultados você pensa encontrar? E como você trabalharia os seus achados? Você acha possível incluir mais histórias de cientistas mulheres nas suas aulas?
Texto: Fernanda Veneu, pesquisadora colaboradora do Labdec
Alguns links de interesse
Rede Brasileira Mulheres Cientistas: https://mulherescientistas.org/
Mulheres e meninas nas ciências da Universidade Federal do Paraná: materiais didáticos e paradidáticos: https://meninasemulheresnascienciasufpr.blogspot.com/
Alguns perfis no Instagram
Instituto Alana (@institutoalana) – organização não-governamental que tem, como foco, a a criança, atuando nas áreas de educação, ciência, entretenimento e advocacy.
Cientistas negras brasileiras (@cientistasnegrasbrasileiras) – página destinada a dar visibilidade às mulheres negras que atuam nas áreas de Química, Física e Matemática.
Deusa cientista (@deusacientista) – página da influencer e cientista Kananda Eller, formada em Química e mestranda em Ciências Ambientais pela USP.
Mulheres na ciência (@mulheresnacienciabr) – espaço para mulheres cientistas compartilharem suas experiências e oportunidades de trabalho.
Fiocruz Mulheres e meninas na ciência (@mulheresemeninasfiocruz) – espaço destinado para divulgar ações de mulheres e meninas na ciência.
Mulheres nas ciências UFPR (@mulheresnasciencias.ufpr) – educação científica sobre e para meninas e mulheres.
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