segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Bertha Lutz e o voto feminino: reflexões em um ano eleitoral

 

Seguimos com mulheres e meninas na ciência, com um viés diferente. O que têm a ver ciência e eleições? Muito mais do que imaginamos. Ainda mais se nos voltamos para o início do século passado no Brasil. Afinal, a aprovação do voto feminino, em 24 de fevereiro de 1932, teve grande influência da cientista brasileira Bertha Lutz. Se hoje em dia o eleitorado feminino é maioria no país, respondendo por mais de 82 milhões de pessoas, há 93 anos as mulheres sequer podiam votar. 


 

A primeira graduação de Bertha foi em Ciências Naturais na Universidade de Sorbonne, em 1918. Lá, tomou contato pela primeira vez com os movimentos feministas. Este encontro influenciou tanto a vida da pesquisadora que a levou a buscar, no Brasil, maneiras de melhorar as condições de vida das mulheres, bem como companheiras/os de luta pela causa.

 

Ciência, educação e política: uma mulher à frente do próprio tempo

Paralelo a isto, seguia desenvolvendo sua carreira de pesquisadora. Prestou concurso para o Museu Nacional e passou, tornando-se, assim, a segunda mulher a integrar o serviço público brasileiro, ainda em 1918. O cargo? Secretária. Isso não a impediu de continuar suas pesquisas e sua luta por condições equânimes de trabalho e estudo para mulheres e meninas. Ao atuar como delegada do Museu no Congresso de Educação, em 1922, conseguiu que meninas pudessem estudar no externato do Colégio Pedro II. 


 

Os contatos feitos durante o tempo em que viveu no exterior permaneciam ativos, o que levou Bertha a representar o Brasil na Assembleia Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, nos Estados Unidos. Participou também de várias conferências internacionais da mulher (Roma, 1923; Berlim, 1929), entre outros eventos relacionados à causa. Sua influência se estendeu até a carta de fundação da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), incluindo a palavra “mulheres” no texto.

Para todas estas realizações, Bertha obteve uma segunda graduação: Direito, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1933. Afinal, era preciso ter os instrumentos adequados para buscar mudanças na sociedade brasileira. Ela chegou a atuar também como deputada estadual em São Paulo, após o falecimento do titular Cândido Pessoa. Aproveitou a oportunidade para lutar por mudanças nas leis que regulavam o trabalho das mulheres – com jornada de 13 horas –, a propor a criação do que atualmente conhecemos como licença-maternidade, além da isenção do serviço militar para as mulheres e a igualdade salarial.

Em ano de eleições, costumamos voltar nossa atenção para o futuro: o que os candidatos prometem, o país, a cidade que queremos, nossas aspirações e reivindicações. Isto é importante, mas não é tudo. O que nós, como professoras e cientistas, podemos fazer, além disto? A história de Bertha Lutz, um exemplo de mulher na ciência, na política e na educação, nos inspira a ir além de onde nossos pés alcançam e levar nossos/as alunos/as conosco. Vamos?


 

Texto: Fernanda Veneu

Imagens: Arquivo Nacional e Pixabay

 

Fontes/Para saber mais:

Biografia de Bertha Lutz:

https://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/html/pt/static/trajetoria/heranca/bertha.php

https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/a-conquista-do-voto-feminino/bertha-lutz.html

https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/bertha-lutz

https://agenciadenoticias.uniceub.br/destaque/45-anos-sem-bertha-lutz-quem-foi-a-cientista-e-ativista-revolucionaria/

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55108142

https://youtu.be/TFoBJSAZnCk?si=gD5fghZ3upH7Tcze

 

História do voto feminino:

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2020/Fevereiro/dia-da-conquista-do-voto-feminino-no-brasil-e-comemorado-nesta-segunda-24-1

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Fevereiro/conquista-do-voto-feminino-completa-91-anos-nesta-sexta-24

https://www.tse.jus.br/servicos-eleitorais/glossario/termos/voto-da-mulher

Ano passado, na série Biólog@s que fizeram história, trouxemos um pouco mais sobre Bertha Lutz: https://www.instagram.com/p/CxWTRALvZqh/

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Mulheres e meninas na ciência: é preciso falar sobre isso

 

Somos quase metade da população mundial (49,5%), mas apenas 33,3% entre os pesquisadores das áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (Stem), segundo a Unesco. Das 965 pessoas que receberam o prêmio Nobel desde sua criação, em 1901, até o ano passado, 64 foram mulheres. Deste total, apenas 22 eram cientistas. As outras 42 foram laureadas por sua atuação em prol da paz ou por seu trabalho na literatura. O que acontece com as mulheres nas áreas Stem?

A Unesco nos dá algumas pistas: “embora essas áreas sejam consideradas fundamentais para as economias nacionais, até o momento, a maioria dos países, independentemente do seu nível de desenvolvimento, não alcançou a igualdade de gênero”. E vai além: mesmo nos países em que já se observa a paridade de gênero, persiste a segregação horizontal e vertical, com mulheres recebendo salários menores e ocupando menos cargos de comando e liderança. 

 Maternidade: um ponto crucial

Ainda na universidade e em ambientes de pesquisa, a maternidade é uma questão fundamental para muitas mulheres. Ao terem seus filhos, as pesquisadoras se deparam com a dificuldade de manter um padrão de publicações e produções em uma época delicada de suas vidas, marcada pela adaptação de mãe e bebê à nova realidade, perpassada também por questões pessoais e familiares.

No Brasil, país em que 58% dos bolsistas de pós-graduação da Capes são mulheres, a atuação do movimento Parent in Science proporcionou a inclusão, no currículo Lattes, de uma área destinada a registrar o período de nascimento dos filhos das pesquisadoras. Assim, a “ausência de publicações” pode ser compreendida no contexto maior: a vida de cada uma destas mulheres cientistas.

Em artigo publicado em 2023, as pesquisadoras Letícia Dellazanna-Zanon, Ângela Dellazanna, Marcela de Sousa e Lidiane de Souza alertam: “celebrar o aumento da presença das mulheres no ambiente acadêmico, na pós-graduação, na produção de conhecimento científico ou à frente de novas tecnologias e inovações é importante, mas insuficiente. Em algum momento essas mulheres podem se tornar mães e é um direito de seus filhos tê-las por perto, pelo menos nos primeiros meses de vida.”



Estereótipos: a escola para a academia e vice-versa

Segundo Audrey Azulay, diretora-geral da Unesco, os estereótipos sobre as áreas Stem atrapalham ou até mesmo impedem o acesso das meninas a disciplinas e carreiras ligadas à Física, Engenharia, Matemática, entre outras. “Estereótipos e preconceitos de gênero às vezes persuadem as meninas de que os estudos científicos não são para elas, apesar de seu enorme potencial”, afirma ela na mensagem publicada pela Unesco, em 2023.

Esses são os mesmos estereótipos e preconceitos relatados por oito cientistas de renome e diferentes nacionalidades no vídeo “Women in Science”, realizado pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) em 2019. A finlandesa Paula Toroi conta de seu professor de Física do Ensino Médio, dizendo: “Física é para homens”.

Da mesma forma, a indiana Meera Venkatesh narra ter ouvido, em sua carreira, afirmações como: “você conseguiu esta posição por ser mulher.”

Por estas e outras razões, desde 2015, temos uma data dedicada a sensibilizar a população e os atores sociais sobre o tema: 11 de fevereiro, dia internacional de mulheres e meninas na ciência. Este ano, o tema é “mulheres e meninas na liderança, uma nova era para a sustentabilidade”. Também está prevista uma assembleia internacional, nos dias 8 e 9 deste mês, na sede da ONU, em Nova York.

Sabemos que este quadro vem evoluindo positivamente, mas problemas estruturais requerem soluções a longo prazo, envolvendo atividades educativas, de conscientização e sensibilização, mudanças de mentalidade e de cultura – o que só acontece quando, reiteradamente, falamos, pensamos e agimos. Homem ou mulher, contamos com você.

 


#WomenInScience

 

Texto: Fernanda Veneu, pós-doutoranda do Labdec

Imagens: Pixabay

Fontes/Para saber mais:

MLA style: Nobel Prize awarded women. NobelPrize.org. Nobel Prize Outreach AB 2024. Fri. 2 Feb 2024. https://www.nobelprize.org/prizes/lists/nobel-prize-awarded-women

https://www.un.org/en/observances/women-and-girls-in-science-day/assembly

https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/pos-graduacao-brasileira-tem-maioria-feminina

Vídeo “Women in Science”, da AEIA:

https://www.youtube.com/watch?v=wqyfIAzI-JI

Artigo:

DELLAZZANA-ZANON, L. L.; DELLAZZANA, Ângela L.; SOUSA, M. P. de; SOUZA, L. dos S. (Des)igualdade de gênero na carreira acadêmica: o impacto da maternidade. Revista Brasileira de Pós-Graduação, [S. l.], v. 18, n. especial, p. 1–16, 2023. DOI: 10.21713/rbpg.v18iespecial.1901. Disponível em: https://rbpg.capes.gov.br/rbpg/article/view/1901. Acesso em: 4 fev. 2024.

 

Perfis no Instagram

Separamos, aqui, algumas iniciativas brasileiras para desfazer estereótipos sobre a participação de meninas e mulheres nas áreas científicas.

https://www.instagram.com/investigamenina/

https://www.instagram.com/mulheresnasciencias.ufpr/

https://www.instagram.com/meninasemulheresnarrd/

https://www.instagram.com/elasnasexatas_ssa/

https://www.instagram.com/mmciencia/

https://www.instagram.com/stem.uece/

https://www.instagram.com/parentinscience/

 

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