segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Mulheres e meninas na ciência: é preciso falar sobre isso

 

Somos quase metade da população mundial (49,5%), mas apenas 33,3% entre os pesquisadores das áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (Stem), segundo a Unesco. Das 965 pessoas que receberam o prêmio Nobel desde sua criação, em 1901, até o ano passado, 64 foram mulheres. Deste total, apenas 22 eram cientistas. As outras 42 foram laureadas por sua atuação em prol da paz ou por seu trabalho na literatura. O que acontece com as mulheres nas áreas Stem?

A Unesco nos dá algumas pistas: “embora essas áreas sejam consideradas fundamentais para as economias nacionais, até o momento, a maioria dos países, independentemente do seu nível de desenvolvimento, não alcançou a igualdade de gênero”. E vai além: mesmo nos países em que já se observa a paridade de gênero, persiste a segregação horizontal e vertical, com mulheres recebendo salários menores e ocupando menos cargos de comando e liderança. 

 Maternidade: um ponto crucial

Ainda na universidade e em ambientes de pesquisa, a maternidade é uma questão fundamental para muitas mulheres. Ao terem seus filhos, as pesquisadoras se deparam com a dificuldade de manter um padrão de publicações e produções em uma época delicada de suas vidas, marcada pela adaptação de mãe e bebê à nova realidade, perpassada também por questões pessoais e familiares.

No Brasil, país em que 58% dos bolsistas de pós-graduação da Capes são mulheres, a atuação do movimento Parent in Science proporcionou a inclusão, no currículo Lattes, de uma área destinada a registrar o período de nascimento dos filhos das pesquisadoras. Assim, a “ausência de publicações” pode ser compreendida no contexto maior: a vida de cada uma destas mulheres cientistas.

Em artigo publicado em 2023, as pesquisadoras Letícia Dellazanna-Zanon, Ângela Dellazanna, Marcela de Sousa e Lidiane de Souza alertam: “celebrar o aumento da presença das mulheres no ambiente acadêmico, na pós-graduação, na produção de conhecimento científico ou à frente de novas tecnologias e inovações é importante, mas insuficiente. Em algum momento essas mulheres podem se tornar mães e é um direito de seus filhos tê-las por perto, pelo menos nos primeiros meses de vida.”



Estereótipos: a escola para a academia e vice-versa

Segundo Audrey Azulay, diretora-geral da Unesco, os estereótipos sobre as áreas Stem atrapalham ou até mesmo impedem o acesso das meninas a disciplinas e carreiras ligadas à Física, Engenharia, Matemática, entre outras. “Estereótipos e preconceitos de gênero às vezes persuadem as meninas de que os estudos científicos não são para elas, apesar de seu enorme potencial”, afirma ela na mensagem publicada pela Unesco, em 2023.

Esses são os mesmos estereótipos e preconceitos relatados por oito cientistas de renome e diferentes nacionalidades no vídeo “Women in Science”, realizado pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) em 2019. A finlandesa Paula Toroi conta de seu professor de Física do Ensino Médio, dizendo: “Física é para homens”.

Da mesma forma, a indiana Meera Venkatesh narra ter ouvido, em sua carreira, afirmações como: “você conseguiu esta posição por ser mulher.”

Por estas e outras razões, desde 2015, temos uma data dedicada a sensibilizar a população e os atores sociais sobre o tema: 11 de fevereiro, dia internacional de mulheres e meninas na ciência. Este ano, o tema é “mulheres e meninas na liderança, uma nova era para a sustentabilidade”. Também está prevista uma assembleia internacional, nos dias 8 e 9 deste mês, na sede da ONU, em Nova York.

Sabemos que este quadro vem evoluindo positivamente, mas problemas estruturais requerem soluções a longo prazo, envolvendo atividades educativas, de conscientização e sensibilização, mudanças de mentalidade e de cultura – o que só acontece quando, reiteradamente, falamos, pensamos e agimos. Homem ou mulher, contamos com você.

 


#WomenInScience

 

Texto: Fernanda Veneu, pós-doutoranda do Labdec

Imagens: Pixabay

Fontes/Para saber mais:

MLA style: Nobel Prize awarded women. NobelPrize.org. Nobel Prize Outreach AB 2024. Fri. 2 Feb 2024. https://www.nobelprize.org/prizes/lists/nobel-prize-awarded-women

https://www.un.org/en/observances/women-and-girls-in-science-day/assembly

https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/pos-graduacao-brasileira-tem-maioria-feminina

Vídeo “Women in Science”, da AEIA:

https://www.youtube.com/watch?v=wqyfIAzI-JI

Artigo:

DELLAZZANA-ZANON, L. L.; DELLAZZANA, Ângela L.; SOUSA, M. P. de; SOUZA, L. dos S. (Des)igualdade de gênero na carreira acadêmica: o impacto da maternidade. Revista Brasileira de Pós-Graduação, [S. l.], v. 18, n. especial, p. 1–16, 2023. DOI: 10.21713/rbpg.v18iespecial.1901. Disponível em: https://rbpg.capes.gov.br/rbpg/article/view/1901. Acesso em: 4 fev. 2024.

 

Perfis no Instagram

Separamos, aqui, algumas iniciativas brasileiras para desfazer estereótipos sobre a participação de meninas e mulheres nas áreas científicas.

https://www.instagram.com/investigamenina/

https://www.instagram.com/mulheresnasciencias.ufpr/

https://www.instagram.com/meninasemulheresnarrd/

https://www.instagram.com/elasnasexatas_ssa/

https://www.instagram.com/mmciencia/

https://www.instagram.com/stem.uece/

https://www.instagram.com/parentinscience/

 

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Você é o que come? Uma reflexão sobre segurança alimentar

Nestes dias finais de dezembro, cardápios para festas e encontros ganham destaque na vida e nas redes. Rabanadas, pernil, farofa, doces, saladas, tudo parece nos convidar a comer. Ao mesmo tempo, nos últimos meses, temos ouvido, nos noticiários, sobre a volta do Brasil ao chamado mapa da fome, com um alerta sobre a falta de segurança alimentar sobretudo para os habitantes do Norte e do Nordeste do país.


O que seria, então, segurança alimentar? Segundo o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, é a “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais”. Essa realização tem, como base, “práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”.


 Observamos alguns pontos em detalhes, começando por “alimentos de qualidade”. Ultraprocessados e agrotóxicos ganharam destaque e algumas isenções fiscais nos últimos anos. Em 2022, pela primeira vez, alimentar-se de ultraprocessados ficou mais barato na média do que comer produtos frescos. No caso dos agrotóxicos – utilizados em larga escala e trazendo danos ao ambiente, animais, ecossistemas e humanos –, o PL 1.459/2022, também conhecido como o “pacote do veneno”, foi aprovado pelo Senado em 28 de novembro. O projeto deixa brechas para regulamentar o uso de substâncias cancerígenas em nossas lavouras. Alimentos produzidos com estes ou outros agrotóxicos banidos em outros países seriam saudáveis? Como fica a qualidade da água nas regiões em que estes produtos são utilizados em larga escala? Se você é o que come, como você fica?

 

E se você não come?

Outro aspecto fundamental é a falta de acesso “regular e permanente” aos alimentos. Assistimos, em 2021, cenas impensáveis de pessoas em filas para conseguir ossos e, com eles, preparar algo para comer. De acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), no Brasil são 21 milhões de pessoas que não têm o que comer todos os dias e 70,3 milhões em insegurança alimentar. Ainda segundo o documento, temos 10 milhões de pessoas desnutridas. Somos de fato “o celeiro do mundo”?

Há exatos 30 anos, surgia, no Brasil, uma campanha de nome comprido e compreensão rápida: Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. Liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, a campanha tem, até os dias de hoje, um lema: “quem tem fome tem pressa”.


 Nossas reflexões e debates sobre o tema da segurança alimentar são muito importantes. Podemos e devemos trabalhar o assunto em sala de aula, em casa, com os amigos. Mas gestos de solidariedade fazem a diferença para as pessoas de quem falamos, estes 21 milhões de seres humanos que não têm acesso regular e permanente a qualquer tipo de alimento. Portanto, nosso “para refletir” de hoje é um convite para agir. Você já ajudou alguém a matar a fome hoje?

 

Texto: Fernanda Veneu

 

Nós, do Labdec, desejamos a você e sua família boas festas! Em janeiro estaremos de férias, mas voltaremos com as publicações do BlogDec em fevereiro. Até lá!


Fontes/Para saber mais:

Definição de segurança alimentar e nutricional: https://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/conferencias/Seguranca_Alimentar_II/textos_referencia_2_conferencia_seguranca_alimentar.pdf

https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/3090-alimentacao-saudavel-esta-cada-vez-mais-cara-e-distante-da-mesa-dos-brasileiros

https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2022/10/14/olheestados-diagramacao-v4-r01-1-14-09-2022.pdf

Guia alimentar da população brasileira:

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf

https://ojoioeotrigo.com.br/2022/09/os-ultraprocessados-tiram-onda-na-inflacao/

https://revistapesquisa.fapesp.br/o-peso-dos-ultraprocessados/

 

Live do Labdec sobre os agrotóxicos:

Muito além do seu prato: uma conversa sobre o uso de agrotóxicos no Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=ckPncfXskCc&t=25s

https://contraosagrotoxicos.org/pacote-do-veneno-e-aprovado-no-senado/

 

Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida:

https://www.acaodacidadania.org.br/

 

Instagram:

@contraosagrotoxicos

@acaodacidania

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Será que você foi já capacitista?

 

Segundo o Censo Escolar de 2021 (Inep, 2022), o percentual de estudantes com deficiência, transtornos do espectro autista ou altas habilidades matriculados em classes regulares tem aumentado gradualmente na maioria das etapas de ensino. Trazer, para a sala de aula, pessoas com necessidades especiais requer mudanças de postura de professores, alunos e da própria escola. Neste mês, em que o dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3/12) nos interpela, o Labdec vem perguntar: Será que você, professor(a), já foi capacitista?

Mas afinal o que é capacitismo? De acordo com Nuernberg (2020), o capacitismo é o processo que hierarquiza as variações funcionais e corporais existentes, privilegiando os que atendem aos padrões normativos e diminuindo os que não se encaixam neste padrão. Ou seja, os corpos e funcionamentos de pessoas sem deficiência são considerados superiores e usados para o julgamento dos demais, que são inferiorizados e ligados à ideia de fracasso como consequência de suas lesões ou impedimentos.

Existem expressões do vocabulário da língua portuguesa que utilizamos em sala de aula e não as percebemos como capacitistas (mas elas são!). Que tal testar seus conhecimentos selecionando algumas dessas expressões:

 

1 – “Está surdo/cego?”

2 – “Dar uma de João sem braço”

3 – “Não temos pernas/braços para realizar esse projeto?”

4 – “Não quero ouvir um pio”

 

Se selecionou as três primeiras, você acertou!

Para aprender mais sobre expressões capacitistas, separamos esse vídeo da youtuber e influenciadora @marianatorquato do seu canal @vaiumamãozinha. (https://www.youtube.com/watch?v=iTLBZkzqtpk

 

Fonte: ONU (símbolo oficial de inclusão)

 

Para refletir (responda nos comentários): Agora conta para a gente, você conhece outras expressões usadas no dia-a-dia que são capacitistas? Pelo que elas poderiam ser substituídas?

 

Texto: Clara Baptista, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Educação e pesquisadora do Labdec

 

Fontes/Para saber mais:

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Resumo Técnico Censo Escolar da Educação Básica 2021, 2022. Disponível em: <https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2021.pdf>. Acesso em 07 fev. 2022.

NUERNBERG, A. H. O Capacitismo, a Educação Especial e a Contribuição do Campo de Estudos sobre Deficiência para Educação Inclusiva. In: MACHADO, R; MANTOAN, M. T. E. (Org.). Educação e Inclusão: entendimento, proposições e práticas. Blumenau, 2020. p. 45 – 60.

 

Sugestões de materiais para pensar sobre capacitismo e inclusão:


Filmes

Intocáveis (França, 2011. Direção: Eric Toledano e Olivier Nakache) – onde encontrar: Prime Video, Globoplay

Extraordinário (Estados Unidos, 2017. Direção: Stephen Chbosky) – onde encontrar: Prime Video, Netflix

Como Estrelas na Terra (Índia, 2007. Direção: Aamir Khan e Amole Gupte) – onde encontrar: Netflix

 

Séries

The Good Doctor – onde encontrar: Globoplay

Iniciada em 2017, a série tem, como protagonista, o médico Shaun Murphy, residente de cirurgia em um grande hospital. O rapaz, que tem um talento incomum para diagnósticos, tem também autismo e síndrome de Savant, e é desafiado diariamente pelas situações que vive na vida profissional e pessoal.

 

Atypical – onde encontrar: Netflix

“Quando um adolescente com traços de autismo resolve arrumar uma namorada, sua busca por independência coloca a família toda em uma aventura de autodescoberta.”

 

Amor no Espectro – onde encontrar: Netflix

A série nos apresenta a jovens autistas em busca do amor, com o objetivo de inspirar e conscientizar o público ao mostrar histórias reais.

 

Canais

@vaiumamãozinha (https://www.youtube.com/@VAIUMAMAOZINHAAI)

@inclusãonaprática(https://www.youtube.com/channel/UCal_jADl6zGBkvlqnFZMfTQ)


 

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